terça-feira, 8 de março de 2011

Como afastar Muggles

Lição 1: um, dois, três. Tempo, tiempo, timing. Como em música. Um, aproximação. Esta é óbvia. Vai-se espreitando o GPSr e chega-se ao denominado ponto zero. O conselho vem a seguir: Dois, detecção. Começa a trabalhar só com os olhos. Pode ser que a coisa se resolva desde logo. Senão, terás que se proceder a trabalho manual. Mas uma coisa é certa: se há muggles, aconteça o que acontecer, não saques a cache pra fora ao primeiro contacto. Trabalha como um actor, não reveles emoções, continue à procura. Se alguém te estiver a “morder” não vai saber ao que andas e muito menos que já encontraste. Mantem a macacada durante um bocado. Agora que já sabes onde está, poderás esperar por uma aberta nas atenções para, num movimento rápido e preciso, proceder à extracção e posterior devolução. Com tudo isto, tudo o que o muggle conservará na ideia é que esteve ali um tipo estranho, mas não fará ideia dos seus propósitos e muito menos cheirará a cache. Trata-se de uma técnica de base a ser empregue em conjunto com algumas das que se seguem.
Lição 2: a monotonia é rainha. Se os muggles, na sua pérfida curiosidade, te mancaram, cansa-os. É um facto observável que a curiosidade se esgota na monotonia. Ninguém observa durante muito tempo algo que não lhe renova o interesse. Isto para o Geocacher significa: descobre o ponto zero, se possível topa o container sem lhe mexeres e abanca-te. Torna-te estátua. Finge estares em meditação ou lê. Passado alguns minutos tornaste-te parte da paisagem a a curiosidade muggle vai-se esbater. Funciona com todos os seres vivos deste mundo.
Lição 3: justifica-te. Não, não leves um megafone para apregoar aos sete ventos que andas à cata de caixas escondidas. Simplesmente fornece aos muggles uma razão válida para estares ali a fazer o que fazes. Uma máquina fotográfica e um interesse extremo por algo próximo do ponto zero costuma servir. Se procuramos algo numa estrutura metálica, vamos fingir que somos apaixonados pelo que estamos a ver. Tirar fotografias como se não houvesse amanhã. Geralmente isto obtém o seguinte resultado na mente retorcida do muggle típico: “o que é que aquele gajo está ali a fazer!? Ahhhh! Tira fotografias. É turista. Ou então é estudioso daquilo. Tá bem”.
Lição 4: a bandeira é a morte do artista. E sim, eu sei que a malta não anda por ai armada em porta-bandeira. A bandeira em questão é outra, também conhecida por “peixarada”, “barraca” ou, de forma linguisticamente mais elaborada, “dar nas vistas”. Ou seja, apesar de ser elementar, eu sei que há pessoal que se esquece que o que está a fazer deve ser discreto. E vai dai, fala alto, levanta calhaus à vista de todos, olha para o GPS. “Eh pá o ponto zero é aqui carago!”. Ora por muito pouca vocação que o muggle tenha para ser uma “pain in the ass”, não há alminha que resista a sê-lo perante este convidativo cenário. Portanto, malta, nada de dar bandeira! É meio caminho andado para a destruição de uma cache.
Lição 5: a bandeira pode não ser a morte do artista. A aplicar com moderação e apenas em último caso. Ok, já vimos qual é o ponto zero. Quiçá até já fisgámos visualmente o contentor. O que fazer se do lado de lá da estrada está uma esplanada cheio de zézinhos locais? E que tal dar alta bandeira no vector diametralmente oposto ao da cache? Que tal chegar ao cachemobile, mandar umas “ca*****das” para o ar e começar a preparar para mudar o pneu, enquanto quase todo o team se dirige para o carrito com ar revoltado e pespegando uns murraços controlados na chapa? Não é preciso ser um génio para saber que neste momento, todos os atentos olhos estão derretidos de gozo na cena do carro. E enquanto isto, um voluntário do team resgatou a cache, assinou o log e devolveu-a à paz da eternidade esperada. As variantes da bandeira são inúmeras, limitadas apenas pela imaginação. Esta técnica tem um inconveniente óbvio: só pode ser practicada com um número considerável de elementos.
Lição 6: livre-directo. Também aqui é preciso uma equipa composta, e quantos mais melhor. A coisa é simples e explica-se numa linha: tá ali!? Pessoal, forma barreira. Um pouco para a direita…. mais um bocadinho… pronto! Não mexe mais! Deixa tar. E, perante este véu de invisibilidade, o membro da equipa selecionado para o efeito tratará dos negócios sem qualoquer risco para a operação ou para a cache.
Lição 7: matar de vergonha. É preciso um nível de lata acima da média, e tem um leque de variantes que pode ser enriquecido gradualmente pelas mentes mais retorcidas. Em suma, trata-se de criar um sentimento de constrição no observador que o leve a olhar decididamente para outro lado ou, na melhor das hipóteses, a fugir para bem longe. E como? Há quem proceda à abordagem directa e pergunte literalmente “está a olhar tanto para mim porquê, há algum problema?”. Outra ideia: vamos urinar ou fingir que nos preparamos para tal. Esta funciona! Já a experimentei e deu os resultados esperados. Se a team é um casal de namorados, dêem-lhes fogo! Até ao grau necessário. Mas nesse caso, haja o que houver, não tenham nada a haver com os preservativos que vão aparecendo nas caches.
Lição 8: descontração. Esta é, como diziamos na Marinha, uma IP (instrução permanente). Ou seja, é para se usar sempre, em conjunto com uma ou mais das restantes lições deste breve guia. Quanto mais descarado for o geocacher (desde que deixe o alarido à porta) menos chamará a atenção de olhos estranhos. Porque aquilo de um tipo se aproximar com passo hesitante, olhando para todos os lados com aspecto amedrontado ou prudente, é como mel para abelhas. Em menos de nada, todos os muggles da região vão estar de antenas levantadas. Parece que sentem. Até os que estavam de costas se viram para ver o que se passa ali.
Lição 9: a multidão é amiga. Parece mentira mas é verdade. Mil vezes melhor procurar uma cache entre um mar de muggles do que a ir buscar a uma praça vazia com dois muggles à conversa na esplanada. O geocacher, mergulhado na multidão, perde identidade, torna-se invísivel, é mais uma partícula de água naquele oceano, e ninguém repara nele. Que o digam todos os que já procuraram e encontraram a cache Fernando Pessoa. O único problema é conseguir fisicamente chegar ao local. Ser “mordido” por um muggle é impossível. Por um? Qual um… a massa é tão uniforme que nem os muggles são individualizados, quanto mais o geocacher. Por isso, deixem os complexos em casa. Quantos mais melhor. Até porque os muggles têm esta agradável característica de se distrairem uns aos outros.
Lição 10: inspire confiança. Se se achar à altura, chegue à fala com o “inimigo”. Seja o tipo simpático, caia no goto do muggle. Tope-lhe a onda e comporte-se em conformidade. Os tipos ali não gostam dos da cidade? Então nos da cidade vamos cascar. Olá!? Um símbolo do Benfica? Não importa se somos lagartos ferrenhos, o Simão é o maior do mundo! O muggle anda ao peixe e não desgruda da falésia onde queremos procurar? Mostre-se interesse pela pescaria. Este método pode não resolver o problema, mas mal, nunca fará, e com sorte a quebra do clima de desconfiança permitirá uma pequisa desafogada ou a recolha de elementos preciosos: o muggle está mesmo em cima do ponto zero, mas agora já sabemos que dali por meia-hora se vai pôr na alheta para almoçar.
Lição 11: o GPSr é mau. Convenhamos que para a maioria do povo, o GPS é um aparelhómetro estranho, implicado numa teia de conceitos que, se explicados sem bases, podem ser de complicada apreensão. Não é portanto de estranhar que a utilização de um GPSr em locais públicos desperte curiosidades. Perigo! Isso é a última coisa que queremos. Por conseguinte, recomenda-se a consulta discreta ao bichinho. Nada de andar por ali de Garmin ou Magellan em punho em grandes passadas e com olhar inquiritivo para o que temos na mão. Se estamos num lugar semi-isolado e chega alguém que nos apanha em compenetrada consulta, o disfarçe clássico é fingir que se trata de um telemóvel e lá vai disto: levante-se o “tijolo” para o ouvido e converse-se com as almas do além. Já vi fazerem-me isso. E posso garantir que há poucas coisas neste mundo mais hilariantes do ver tentarem conosco o truque.
Lição 12: o iô-iô é suspeito. Habituar um muggle à nossa presença na paisagem pode ser trabalhoso, mas geralmente consegue-se. As coisas pioram é se temos que o fazer duas vezes. Apesar de tudo, eles não são parvos e não engolem sucessivamente a mesma pastilha. Se ficaram inicialmente curiosos ao ver um tipo bizarro ali, até se podem distrair. Mas se sentem que o bicho se afasta, isso fica-lhes registado. Nem pensar em regressar! É uma sentença de morte! Não há coisa que seja mais suspeita aos olhos de um muggle do que alguém que chega, vai e… regressa. Isso já é crime classificável como “andar a rondar”. Assim, sempre que for fisicamente possível, tenta logar no local. Desde que isso não implique riscos adicionais, o que pode suceder em algumas caches. Há uma excepção à regra exposta nesta lição: quando se trata de uma multidão, o geocacher não chega a ser uma entidade e os observadores estão em constante renovação. Ai, não há problema, pode ir e vir quantas vezes lhe apetecer.

In: Papacaches.wordpress.com 

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